"In the Kamigata area they have a sort of tiered lunchbox they use for a single day when flower viewing. Upon returning, they throw them away, trampling them underfoot. The end is important in all things." - Yamamoto Tsunetomo, Hagakure
Wednesday, January 17, 2007
Saturday, December 30, 2006
I can change
Quando era teenager lembro-me do adolfo cantar sobre a queda do muro de Berlin
e o cartel de Medellin
e a guerra do Saddam
Saddam
Saddam
Saddam Hussein...
e o cartel de Medellin
e a guerra do Saddam
Saddam
Saddam
Saddam Hussein...
Ainda agora se foi e já sentimos todos um poucochinho a sua falta não é? Para que não fiquem tristes aqui fica um vídeo dele nos bons velhos tempos.
E agora chega de lamechices, tudo pra rua fazer a festa de cocktail na mão!
Bom ano novo!!!
E agora chega de lamechices, tudo pra rua fazer a festa de cocktail na mão!
Bom ano novo!!!
As meninas
Alan Moore e Melinda Gebbie deram finalmente por concluído o longo parto de 16 anos que foi Lost Girls. Para comemorar o advento da primeira grande obra porno do século XXI aqui fica uma entrevista que Moore deu ao comediante Stewart Lee no programa Chain Reaction da BBC Radio 4. O Chain Reaction tem um formato peculiar já que o entrevistado de uma semana torna-se o entrevistador da semana seguinte, sendo deixado à sua escolha a personalidade convidada. Estou a proceder a escavações internéticas para tentar encontrar o mp3 da entrevista de Moore a Brian Eno, mas enquanto tal não acontece podem ler a transcrição da mesma.
Bishop Takes Bishop
Outono de 1930. Enquanto a guerra fermenta no horizonte distante da Europa central, na enseada amena uma outra disputa de carácter mais esotérico tem lugar. À esquerda com as pecas negras, sanguíneo e confiante, Mr. Alesteir Crowley "The Wickedest Man In the World", or so they say! À direita com as brancas, Fernando Pessoa, melancólico e distante, estrangeiro ali como em toda parte. O vencedor da partida é uma incógnita que o tempo nunca poderá revelar. Dali a uns dias Crowley suicidava-se na Boca do Inferno, antes de se mudar para a Alemanha. Viria a morrer definitivamente em 1947, perplexo segundo dizem. Pessoa morreria em 1935, com o fígado corroído pelos bagaços do Martinho, tendo como último pedido os icónicos óculos. Entre estes acontecimentos o destino do mundo ficou traçado. Tenho pensado nisto muitas vezes.
Did i tell you the one about the 3 mexicans?
Os chicanos a prepararem-se para fazer o pleno nos próximos Óscares (Babel, Children of Men, El Labirinto del Fauno). Os espanhóis já por aí andam à muito (Almodóvar, Amenábar) e o Brasil começa agora a emergir (Salles, Meirelles). E os tugas onde estão? Provavelmente barricados na cinemateca a pedinchar a esmolinha do estado.
Tuesday, October 31, 2006
All Hallows' Eve
Feliz véspera do dia de todos os santos (excepto é claro para as criaturas mascaradas que, acompanhadas dos respectivos progenitores, insistem em tocar a minha campainha de cinco em cinco minutos impedindo-me de concluir o post. O buitlander não tá. Tentem o vizinho. Devem ter uma vaga esperança que eu esteja com disposição para um pouco de trick ou treating. Os petizes podem esperar sentadinhos que eu já lhes dou o doce: é quase hora da janta, e para celebrar o tempo em que esta data tinha um carácter mais...sacrificial, creio que criancinha holandesa assada no espeto será o prato da noite!)
Sunday, October 22, 2006
Under Neon...
Is it day already?
Aaaaaahhhhhhhhh (som do espreguiçar, acompanhado da inevitável distensão de braços ao alto) pois é. No grande dia do julgamento, após terramotos e maremotos, dilúvios de fogo e enxofre, quando o vosso humilde escriba estiver finalmente diante do trono de marfim, com anjos e hosannas e trombetas e selos and all that apocalyptic shit; quando o Eterno e Omnipotente Criador sacar do seu power point celestial, e me mostrar o miserável slide show da minha vida; quando for confrontado com a tabela de gráficos em excel, demonstrando para lá de qualquer duvida que excedi claramente os valores adequados para uma estadia ad eternam entre querubins rechonchudos e a irmã Lúcia (fogosa e roliça como só ex videntes no paraíso o podem ser); quando o assunto de certos e determinados pecados mortais vier à baila; nessa altura um dos sete grandes vai se destacar em enormes letras flamejantes na minha mortal fronha: a PREGUIÇA.
Sinceramente não me parece que vá dar pulos de alegria. Não por ir arder para todo o sempre no grande lago de fogo. Já vivi uns tempos no vale do forno ali como quem vai para a Pontinha. Não é nada que não esteja já habituado. Não, a minha infelicidade dever-se-ia exclusivamente ao facto de ser condenado à grande estância de férias diabólica, ao clube Med mefistofélico, por causa do mais imbecil de todos os sete pecados e, eh pá, isso não gosto. Não acho bem.
Preguiça...pelo amor de deus! Há pecado mais mormente, mais arrastado, mais sem jeito nenhum do que este? Já estou ver as más línguas bifurcadas dos domínios da perdição : "Olha aquele, condenado à fossa abissal porque era uma ganda calão! LOL!!!"
A sério! Preferia qualquer um dos outros. Vejam a Gula: poder ser um daqueles tipos que aparecem na televisão em programas de freaks, pesando 343,6 kg. Afundado num cadeirão que foi herdado do bisavô materno, com uma mão agarrando uma tarte de maçã king size e a outra enfiada num alguidar recheado de jaquinzinhos fritos. A câmara apontada para minha face rosada e rechonchuda de gigante bom. "Já não saio de casa há mais de dez anos minha cara amiga!", diria eu à repórter curvilínea, enquanto me babo para cima da minha camisola de alças wife beater. "A última vez que sai ainda estavam a construir o metro para Sta Apolónia, veja lá!" Milhões de pessoas no conforto dos seus lares seriam confrontados com toda a minha corpulência, e regurgitariam ao ver me engolir mais uma fatia de pudim flan num único trago. A vida teria sido fofa e açucarada como o algodão doce da feira popular "Ainda havia o poço da morte, veja lá!".
Mas não.
É preguiça mesmo.
Tá mal.
Este não.
Outro.
Qualquer um.
Por exemplo a Luxúria. Isso sim. Orgias e bacanais na melhor tradição europeia clássica. Escapadelas. Pulares de cercas. Infidelidades e imbecilidades num único movimento pélvico. Virgenzinhas, não muito pudicas, na casa de banho do colégio das marianas; betas da linha na praia de Carcavelos, à noite ao som do repuxo gigante; donas de casa boas e não muito desesperadas; e as monjas do carmelo de Coimbra, já olharam bem para as monjas do carmelo de Coimbra??? Rapidinhas. Demoradinhas. Tudo mais que houver pelo meio. Dia e noite. Noite e dia. Esposos e namorados, agraciados com lindos pares de enfeites para a testa, pregando posters com o meu nome pela noite adentro: Procura-se, vivo ou morto, CASTRADO de preferência. Terminar os meus dias num duelo de honra no topo do centro comercial das amoreiras. Uma vida bem vivida antes da danação eterna.
Mas não......somente a preguiça.
Foda-se.
Com tão boas opções na lista.
Olha, a Vaidade: espelho meu, espelho meu, yada, yada e tal e o caralho. Ser o supra-sumo da metro sexualidade, um Beckham odivelense. Saber de trás pra frente marcas de desodorizantes, esfoliantes, anti oxidantes, condicionadores, restauradores e afins. Discutir quais as melhores lavagens ao cólon com a malta do balneário. Parar em frente daquele espelho que há no rossio para se arranjar a gravata, e arrancar num movimento discreto o pelinho que teima em espreitar pela narina. Passar dias nas compras com as amigas, sem sentir tal actividade como um golpe rude na masculinidade. Isso é que era. Para terminar em beleza, apresentar-me-ia diante do todo-poderoso no meu melhor fato Armani e óculos Ray Ban, gritando de forma desafiadora: "Ao menos não compro roupa na feira de Carcavelos oh palhaço!!!"
Nop.
P-r-e-g-u-i-ç-a.
Com todas as letras.
É assim. Foi o que me calhou na rifa. Para todo sempre torturado pelas hordas infernais pelo crime de coçar a micose. É no mínimo patético.
Ah, é verdade, era para ter actualizado esta merda já há uns tempos mas deu me uma preguiççaaaaaaaaaaa!!!
Sunday, March 19, 2006
Home is the place where you start from...
A malta da Estacão Central reflectia um dia destes sobre o conceito de home. Concordando na generalidade com as impressões do blog, e estando eu próprio neste limbo peculiar em que os emigras se movimentam, deu me para fazer uma pequena incursão pela memória das casas passadas.
A casa onde cresci foi seguramente um home, talvez mesmo O home. Afinal foi a primeira, e só este simples posicionamento na escala faz com que inevitavelmente se torne a bitola pela qual todas as futuras domus sejam julgadas. Um quarto andar num prédio suburbano, disforme de feiura inata, com tinta permanentemente a descascar, uma das muitas lápides de betão que os anos setenta relegaram para a posteridade. Espaço constrangedor e claustrofóbico, completo com as inevitáveis marquises, resultado de uma arquitectura de despersonalização que surgiu de um improvável cruzamento: as teorias pseudo utópicas do movimento modernista; a fúria construtora dos patos bravos, essa espécie autóctone que nenhuma gripe das aves algum dia poderá eliminar; e o inato mau gosto anárquico dos tugas. A falta da humidade da terra, de mãos dadas com a ausência da pulsão eléctrica de uma verdadeira urbe: assim são os subúrbios. Nem cidades nem serras. Nem rural nem urbano. Híbrido pós moderno que desagrada a gregos e a troianos. Não podia ter crescido em melhor sítio. Deixou-me para o resto da vida uma insatisfação latente que me fará sempre procurar algo melhor. O português da geração dos meus pais vive ainda na nostalgia do campo, expressa de forma exemplar nessa romaria tuga sazonal que é a "Ida à terra". Isto tolhe-lhes o percurso pois o seu horizonte será sempre o do passado, e nunca o do futuro. Já alguma da minha geração, crescendo na monotonia disfarçada dos subúrbios, foi misericordiosamente poupada a essa volta dos tristes. Afinal que vaga saudade se poderá sentir das colinas ionizadas de Sto António dos cavaleiros, da pastelaria Chave de Ouro com o balcão de fórmica onde se passavam as horas na cartada, do deambular à noite pelas ruas vazias procurando coisa nenhuma, do "faz lá essa", do permanente dia cinzento . Duvido que alguém, referindo-se à Damaia, Reboleira ou Odivelas, possa dizer com a voz embargada e o olhar mareado: "Este fim-de-semana vou a terra". No entanto, e apesar de tudo isto, esta casa para mim era definitivamente home. E era sem pensar nela como tal. Era o simplesmente. Enquanto somos crianças home e casa são uma só palavra, um só conceito. A separação só vem com o passar dos anos e das casas. Isto não ocorre de forma abrupta: o corte definitivo vem com a saída da casa dos pais (pois realmente é assim que esta passa a ser concebida no nosso imaginário). Mas este corte é apenas o corolário de um longo processo. O que na infância era aconchegante tornou-se ao longo da adolescência sufocante.
A primeira mudança foi uma lufada de poluíção fresca. Estava finalmente na cidade. Estava em Lisboa. Lisboa com os seus vários níveis de ruído incessante, a sua magnífica confusão. Os seus bares, museus, ministérios, jardins, becos, tascas, fontes, alamedas, miradouros. O metropolitano a rugir por debaixo dos pés, os aviões a caminho da portela, ameaçando colisão a cada aterragem. O que mais se pode querer? Não estava ainda por minha conta, pois tinha de partilhar aqueles preciosos metros quadrados com outros recém libertos, mas isso não se revelou problemático. Em algumas alturas foi mesmo uma experiencia de companheirismo. No entanto a constatação atingiu-me um dia com toda a sua forca epifanica: tinha um tecto sob a minha cabeça e água quente nas torneiras, mas estava homeless. A minha antiga casa tinha deixado de o ser, e a nova jamais o seria, pois tudo nela soletrava precariedade, apenas um local de passagem. O meu home nestes anos deixou de ser a casa específica onde eu habitava, para englobar todo o espaço urbano à minha volta. Os meus companheiros de casa não eram só as pessoas que viviam comigo, mas também o arrumador da esquina, o gajo do café, a miúda da livraria, o sem abrigo do vão de escada, o homem dos bolos. Cumprimentava pela primeira vez na vida a vizinha de baixo, não por um qualquer sentido obrigação social, mas por que sentia que a velha senhora era verdadeiramente um membro da minha nova e extensa família. Soltava os bons dias, tardes e noites nos locais de passagem habituais, largava tudo bens aqui e ali e dizia adeus ao homem que diz adeus. A relação tinha se invertido. Espaço exterior e interior trocavam de campo ao meio tempo. Onde antigamente o espaço fora das quatro paredes da casa era uma inexpressiva terra de ninguém, tinha agora um home sem paredes.
Nunca gostei de pequenas mudanças. Sendo assim quando decidi mudar de casa pela segunda vez mudei também de país. Num percurso que transpira lusitanidade até à medula, tornei-me o vulgo emigra. Desde que aportei a terras holandesas já estive em quatro casas diferentes. Já fui hóspede, residente temporário em regime de boa vontade e inquilino. Nenhuma destas casas foi um home. E digo isto apesar de me encontrar neste preciso momento dentro de uma delas, sentado a secretária a escrever este post. E não o foram por uma multiplicidade de razões. Não o foram porque não estive nelas o tempo suficiente para torná-las como tal. Não o foram porque são ainda espaços alienígenas: não reconheço a arquitectura, a configuração, ou a decoração. Foram pensadas e feitas por uma mentalidade que eu ainda só muito parcialmente consigo descodificar. Olho à minha volto e deparo com pormenores que não encontram significado no meu mapa mental. A casa que ocupamos, quando passamos a viver noutras paragens, é um reflexo de toda a estranheza que nos engloba no dia-a-dia. Umas vezes fascinante, outras frustrante, mas sempre estranho, sempre o outro. Passar de viajante a residente demora muitos anos e até lá vivemos no que sempre será uma espécie de quarto de hotel alargado. Ao fim de algum tempo já não há grandes surpresas. Conhecemos o porteiro, o tipo da recepção, e a empregada de limpezas. Sabemos de cor os números a discar e qual a melhor altura de ir ao pequeno-almoço. De vez em quando até ousamos fazer um improviso jazzístico no piano do bar, para o gáudio delirante dos dois bêbados presentes. Um quarto de hotel muito familiar, mas ainda assim um quarto de hotel, e este dificilmente pode ser um home.
Home para mim deixou de ser um sítio concreto, largou substancia e existe agora apenas como um conceito, uma abstracção, in potentia, à espera do momento e espaço específicos onde poderá de novo ganhar um corpo material. Até lá venham novas casas (e cidades e países). Podem não ser homes mas é sempre bom ter um sitio para sair da chuva.
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Saturday, March 18, 2006
É tudo uma questão de escolha
Quem ainda acredita que existe algo transcendente e valioso na nossa metaesfera cultural (submergido por uma quantidade imensa de lixo é certo), mesmo num evento triste e apalermado como a eurovisão, pode ir aqui.
Duelo (ou A Harajukusação do Mundo)
"Bem, pelo menos o setting é uma novidade! ". No tempo em que para Kamões o Jogo havia sido bem mais do que um simples escape temporário a uma realidade sufocante, a escolha da localização teria seguido critérios mais... imaginativos. Uma vez que o conversor utilizava as condições físicas existentes para criar os desafios, um supermercado não prometia um duelo particularmente aliciante. Mas qualquer que fosse o palco, a dinâmica fundamental da representação não era alterada: dois actores e um cenário. Esta era a essência do Jogo.
Quando este havia sido inicialmente lançado em 2007, as primeiras vendas não tinham sido animadoras. Para toda uma geração nascida e criada sob a égide dos videojogos, com todo o confortável sedentarismo a eles associado, um jogo que implicasse mobilidade física parecia destinado ao fracasso. Cruzamento improvável entre antigas tradições lúdicas, como o peddy paper e os duelos de índios e cowboys, com a mais moderna tecnologia, o Jogo foi inicialmente considerado como mais um híbrido pós moderno, cujo momento duraria apenas alguns meses, e rapidamente cairia na obscuridade. Criado não por uma qualquer mega multinacional de jogos, mas por um velho matemático excêntrico, residente em S. Francisco, ex-professor da teoria de jogos em Princeton (aparentemente, com o mesmo grau de esquizofrenia que o seu conhecido e nobelizado predecessor). A sua criação teve apenas um pequeno voo rasante aquando do primeiro lançamento ao nível do mercado norte-americano. É certo que a companhia que criou os primeiros conversores não passava de uma pequena empresa californiana, ocupando uma fatia de mercado reduzida ao nível da distribuição noutros estados, e com uma presença praticamente nula no cenário internacional. Era composta, no entanto, por um corpo novo e dinâmico, ansioso por criar uma marca de diferença num mercado saturado pela uniformidade da oferta, e que viu na criação do Gandalf de Princeton, como este posteriormente foi apelidado, a alavanca necessária para mover o mundo do entretenimento em direcção a um novo paradigma. Durante o primeiro ano em que foi posto a venda, o Jogo passou praticamente despercebido, uma mera curiosidade regional, um registo anacrónico disfarçado sob um manto tecnológico, com um certo grau de popularidade entre as muitas tribos urbanas que compunham a ruas de S. Francisco: Neo Grungers, Magos Kaóticos, Tekno Vampiros e os sempre ubíquos Cyber Punks. Um míni fenómeno das margens, que dificilmente seria captado pelos omnipresentes radares do mundo corporativo. Os grandes dirigentes da indústria do lazer podiam dormir descansados. As consolas de jogos caseiras, agora na sua sétima geração, continuariam a marcar presença nos lares da classe média urbana de todo o mundo, pelo menos durante mais duas ou três gerações. Como quase sempre sucede nestes casos, o gigantesco umbiguismo dos Césares tecnocráticos obstruiu-lhes a visão periférica: o terramoto cujas ondas choque em breve percorreria todo o planeta como um tsunami digital, teve o seu epicentro na Coreia. Compreendendo o potencial dos povos asiáticos para consumir, canibalizar e transfigurar, com uma voracidade desconhecida no ocidente, tudo o que cheire a novidade, Seoul foi o local escolhido para proceder a segunda vaga de lançamentos, saltando assim por cima do cada vez mais atrofiado mercado europeu. O sucesso foi quase imediato, uma espécie de big bang lúdico, espalhando a partir do seu ponto zero torrentes de energia dinâmica. De súbito a juventude coreana tinha encontrado o seu zeitgeist, substituindo o grande desafio colectivo face ao apocalíptico vizinho do norte, por uma multiplicidade de desafios individuais entre si. Em lugar da retórica política, a efervescência tribal. Em lugar de uma guerra real, eternamente adiada e perpetuamente eminente, essa grande espada de damócles de urânio enriquecido suspensa no paralelo 38, os Coreanos podiam agora fragmentar uma ansiedade velha de meio século em milhões de míni batalhas virtuais. O sangue escorria livremente pelas artérias de Seoul, mas uma análise atenta não revelaria a presença de hemoglobina mas sim de zeros e uns. O Jogo havia se tornado a dinâmica essencial do inconsciente colectivo coreano. Tal como em breve o seria do mundo.
A caminho da montanha...
É no rescaldo que a avaliação completa das causas e consequências de um incêndio pode ser realizada. Tímidas labaredas dançam ainda aqui e ali, pequenos focos de incerteza quase extintos, mas que podem conduzir a qualquer momento a um reacendimento. Uma análise mais detalhada do cenário virá em breve. Por agora apenas um pequeno bitaite: " The Prophet was more sensitive to verses of ridicule, to loose humour and to disrespect than he was to open revolt and resistance…the Prophet did not persecute or execute many people and those who were so punished were, more often than not, poets and jokers. “The satire of the poet is more painful than the lance of the enemy,” Muhammad once said, for he was without a sense of humour. "
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Friday, March 10, 2006
Da Man
Ladies and gents, the High Priest of the Egyptian Theatre of Marvels: the fabulously hirsute Mr. Alan Moore in his own words, and a fraction of his mindscape.
Duelo
Atravessando as portas duplas do supermercado, KamõesRazarolho estava ainda a tentar habituar os seus olhos à típica luz marmórea que permeia o interior de qualquer moderna superfície comercial, quando o sinal soou, de forma discreta mas audível. O sinal que indicava que um desafio havia sido lançado. "Foda-se", murmurou ele para sido próprio como quem se força a engolir um naco de comida fora do prazo, "não posso tirar dez minutos para vir as compras sem que um imbecil qualquer me ponha em combate". Um desafio não tinha forçosamente de ser aceite, afinal de contas as regras estipulam claramente que o desafiado pode sempre recusar a proposta . Mas tendo em conta o marasmo em que a vida de Kamões se havia afundado, o pulsar rítmico vindo do bolso interior do seu casaco tomava a cada segundo a forma de um chamamento aliciante, um canto de sereia demasiado hipnótico.
Ultimamente a sua existência havia sido reduzida a um minimo denominador comum: trabalho, trabalho e ainda mais trabalho; uma parada cinzenta e monótona de obrigações, desfilando com a regularidade anestesiante de tanques na praça de uma qualquer ditadura esquecida, sendo ele próprio o único espectador do soporífero evento. Prazos de entrega para cumprir, trabalhos há muito pendentes para finalizar, um infindável numero de videochamadas para realizar a fim de contactar pessoas que não tinha o mínimo interesse em conhecer para discutir assuntos que não tinha o mínimo interesse em tratar. O trabalho a partir de casa havia se tornado o paradigma dominante da classe média, e o que poderia inicialmente ter sido acolhido como uma libertação de horários sufocante, escritórios claustrofóbicos, patrões sádicos e colegas incompetentes, era agora meramente um corte violento com a realidade palpável. As saídas de casa nos últimos meses haviam sido escassas, cada uma delas com o roteiro previamente traçado e um único objectivo definido: tratar de tudo aquilo que fosse estritamente necessário, no mais curto espaço de tempo possível, regressando sem delongas a um confinamento doméstico do qual a palavra lar havia sido expurgada. O mundo exterior havia se tornado sinónimo de supermercado, banco, departamento de controlo social, e uma ou outra visita ao centro de estimulação intramuscular, moderno substituto dos antigos ginásios.
Mesmo estas saídas, com fins puramente pragmáticos, não tinham necessariamente de ser efectuadas fisicamente. Afinal de contas não havia nenhuma compra, venda, transacção, negociação, depósito, levantamento, consulta, permuta, contracto, pagamento, recepção, aluguer, amortização, ou sessão de treino que não pudesse ser realizada digitalmente a partir do conforto do seu novo e dispendioso sofá indonésio, ao qual microscópicos cabos de fibra óptica transportavam toda a panóplia de caos organizado que compunha o mundo ocidental. Mas aceitar este novo paradigma na sua totalidade implicaria viver uma existência virtualmente desprovida de contacto físico com outros seres humanos; ser um monge carmelita da era da informação; em clausura não por devoção a um qualquer Deus medieval, mas porque o comboio de alta velocidade em que o século vinte e um se havia tornado não reservava lugares para retardatários. Era cumprir as exigências sociais ou vagar o lugar na carruagem, sabendo perfeitamente que a fila de pretendentes ao seu sofá era longa e ambiciosa.
A empregada de balcão, o subgerente da sucursal, a chefe de repartição eram assim as únicas figuras de carne e osso na sua vida. Familiares, amigos e engates haviam à muito se virtualizado, transformando-se progressivamente em rostos nos écrans e vozes nas colunas de som, harmonias binárias, que poderiam ou não corresponder a entidades físicas reais do outro lado da linha. A tendência para esta pobre imitação de interacção social havia começado ainda nos últimos tempos de faculdade, e só se havia agravado desde então. O ritmo acelerado e constante da percussão social deixa pouco espaço para pés de dança mornos e arrastados, e para coisas cada vez mais anacrónicas como namoros, jantaradas, ou longas discussões filosóficas pela noite dentro ao redor de um copo de mescal. Certamente deixa pouco tempo para o Jogo.
Para quem vivia intensamente o Jogo desde os quinze anos, tendo este ocupado uma larga fatia da sua adolescência e juventude, estes últimos meses de prisão caseira semivoluntária haviam criado uma ansiedade surda e crescente dentro de Kamões. Nas últimas semanas manter a atenção por um período de tempo superior a um quarto de hora numa qualquer tarefa era um feito exaustivo. A sua capacidade de concentração havia emigrado para o patamar das faculdades mentais inacessíveis. Era impossível negar durante mais tempo os sinais que indicavam a fome voraz por um bom combate. Kamões estava ressacar de Jogo, e esta oportunidade de obter uma dose rápida era demasiado aliciante para recusar.
Num impulso, sacou do seu conversor para ver a identidade do desafiante. O conversor, espelhando o gosto minimalista do seu portador, era de uma simplicidade primária: metalizado, as suas dimensões eram semelhante a um dos antigos telemóveis de terceira geração, distinguindo-se deles pelo facto de apenas possuir três botões, sendo estes meramente opcionais pois como qualquer outro aparelho digital de uso corrente o conversor funciona primariamente por sistema de reconhecimento de voz. Dominando a quase totalidade da sua superfície um visor em LCD esverdeado, cujo brilho ténue era agora ofuscado pela luminosidade asséptica do supermercado. Um nome pulsava no visor, juntamente com uma mensagem. "DigitalTat12 Challenges you for a level 5 duel. Accept? "
"Um puto... " não havia qualquer surpresa na constatação, "Só podia". Quem mais lançaria um desafio em pleno supermercado." Provavelmente colocou um holograma interactivo em seu lugar na escola virtual, e anda à procura de alguma diversão, enquanto os amiguinhos não vem ter com ele às Arcadas ou ao Alfa." Não era difícil de chegar a tais conclusões. Afinal era um facto sobejamente conhecido, divulgado pela impressa e analisado em mesas redondas por sociólogos e neuropsicólogos, referido inúmeras vezes de forma mais ou menos demagógica em campanhas políticas, e presente nos sonhos inquietos de muitos pais: a dependência do Jogo.
Todos os pós-08 estavam irremediavelmente viciados em combates: "já nasceram agarrados e nunca conheceram outra coisa...nem querem outra coisa!". Kamões por vezes imaginava-os a todos ainda na maternidade, cada um no seu respectivo berçário ou incubadora, lançando desafios uns aos outros por entre uma birra e uma sessão de amamentação. De certa forma para eles já não havia nada fora do Jogo. A vida havia se tornado apenas aquilo que acontece entre dois combates. Qualquer ocasião, tarefa, local ou situação, não importa quão rotineira, banal ou inapropriada era um motivo para lançar desafios. Na verdade alguns neuropsicólogos haviam recentemente especulado que um grande número de pós-08 haviam se tornado mentalmente incapazes de executar uma tarefa do princípio ao fim, a não ser claro que esta fosse executada em situação de combate. Uma análise um pouco caricatural talvez, mas com um certo fundo de verdade. Este Tat12 estaria provavelmente a fazer compras e confrontando-se com a falta de motivação que os pós-08 inevitavelmente sentem ao realizar o que eles chamam de "tarefas civis", resolveu lançar um desafio.
"Ora bem", pensou Kamões, "se o puto quer combater não lhe vou fazer essa desfeita". Pressionou o botão central duas vezes, o que correspondia a aceitar o desafio, e deixou-se ficar, esperando a resposta aparecer no visor, observando o vaivém da multidão, interrogando-se qual daquelas figuras que percorriam afoitamente o piso luzidio do supermercado em padrões nada aleatórios (uma vez que estes haviam sido cuidadosamente elaborados por neuropsicólogosociais), seria o seu adversário.
Ultimamente a sua existência havia sido reduzida a um minimo denominador comum: trabalho, trabalho e ainda mais trabalho; uma parada cinzenta e monótona de obrigações, desfilando com a regularidade anestesiante de tanques na praça de uma qualquer ditadura esquecida, sendo ele próprio o único espectador do soporífero evento. Prazos de entrega para cumprir, trabalhos há muito pendentes para finalizar, um infindável numero de videochamadas para realizar a fim de contactar pessoas que não tinha o mínimo interesse em conhecer para discutir assuntos que não tinha o mínimo interesse em tratar. O trabalho a partir de casa havia se tornado o paradigma dominante da classe média, e o que poderia inicialmente ter sido acolhido como uma libertação de horários sufocante, escritórios claustrofóbicos, patrões sádicos e colegas incompetentes, era agora meramente um corte violento com a realidade palpável. As saídas de casa nos últimos meses haviam sido escassas, cada uma delas com o roteiro previamente traçado e um único objectivo definido: tratar de tudo aquilo que fosse estritamente necessário, no mais curto espaço de tempo possível, regressando sem delongas a um confinamento doméstico do qual a palavra lar havia sido expurgada. O mundo exterior havia se tornado sinónimo de supermercado, banco, departamento de controlo social, e uma ou outra visita ao centro de estimulação intramuscular, moderno substituto dos antigos ginásios.
Mesmo estas saídas, com fins puramente pragmáticos, não tinham necessariamente de ser efectuadas fisicamente. Afinal de contas não havia nenhuma compra, venda, transacção, negociação, depósito, levantamento, consulta, permuta, contracto, pagamento, recepção, aluguer, amortização, ou sessão de treino que não pudesse ser realizada digitalmente a partir do conforto do seu novo e dispendioso sofá indonésio, ao qual microscópicos cabos de fibra óptica transportavam toda a panóplia de caos organizado que compunha o mundo ocidental. Mas aceitar este novo paradigma na sua totalidade implicaria viver uma existência virtualmente desprovida de contacto físico com outros seres humanos; ser um monge carmelita da era da informação; em clausura não por devoção a um qualquer Deus medieval, mas porque o comboio de alta velocidade em que o século vinte e um se havia tornado não reservava lugares para retardatários. Era cumprir as exigências sociais ou vagar o lugar na carruagem, sabendo perfeitamente que a fila de pretendentes ao seu sofá era longa e ambiciosa.
A empregada de balcão, o subgerente da sucursal, a chefe de repartição eram assim as únicas figuras de carne e osso na sua vida. Familiares, amigos e engates haviam à muito se virtualizado, transformando-se progressivamente em rostos nos écrans e vozes nas colunas de som, harmonias binárias, que poderiam ou não corresponder a entidades físicas reais do outro lado da linha. A tendência para esta pobre imitação de interacção social havia começado ainda nos últimos tempos de faculdade, e só se havia agravado desde então. O ritmo acelerado e constante da percussão social deixa pouco espaço para pés de dança mornos e arrastados, e para coisas cada vez mais anacrónicas como namoros, jantaradas, ou longas discussões filosóficas pela noite dentro ao redor de um copo de mescal. Certamente deixa pouco tempo para o Jogo.
Para quem vivia intensamente o Jogo desde os quinze anos, tendo este ocupado uma larga fatia da sua adolescência e juventude, estes últimos meses de prisão caseira semivoluntária haviam criado uma ansiedade surda e crescente dentro de Kamões. Nas últimas semanas manter a atenção por um período de tempo superior a um quarto de hora numa qualquer tarefa era um feito exaustivo. A sua capacidade de concentração havia emigrado para o patamar das faculdades mentais inacessíveis. Era impossível negar durante mais tempo os sinais que indicavam a fome voraz por um bom combate. Kamões estava ressacar de Jogo, e esta oportunidade de obter uma dose rápida era demasiado aliciante para recusar.
Num impulso, sacou do seu conversor para ver a identidade do desafiante. O conversor, espelhando o gosto minimalista do seu portador, era de uma simplicidade primária: metalizado, as suas dimensões eram semelhante a um dos antigos telemóveis de terceira geração, distinguindo-se deles pelo facto de apenas possuir três botões, sendo estes meramente opcionais pois como qualquer outro aparelho digital de uso corrente o conversor funciona primariamente por sistema de reconhecimento de voz. Dominando a quase totalidade da sua superfície um visor em LCD esverdeado, cujo brilho ténue era agora ofuscado pela luminosidade asséptica do supermercado. Um nome pulsava no visor, juntamente com uma mensagem. "DigitalTat12 Challenges you for a level 5 duel. Accept? "
"Um puto... " não havia qualquer surpresa na constatação, "Só podia". Quem mais lançaria um desafio em pleno supermercado." Provavelmente colocou um holograma interactivo em seu lugar na escola virtual, e anda à procura de alguma diversão, enquanto os amiguinhos não vem ter com ele às Arcadas ou ao Alfa." Não era difícil de chegar a tais conclusões. Afinal era um facto sobejamente conhecido, divulgado pela impressa e analisado em mesas redondas por sociólogos e neuropsicólogos, referido inúmeras vezes de forma mais ou menos demagógica em campanhas políticas, e presente nos sonhos inquietos de muitos pais: a dependência do Jogo.
Todos os pós-08 estavam irremediavelmente viciados em combates: "já nasceram agarrados e nunca conheceram outra coisa...nem querem outra coisa!". Kamões por vezes imaginava-os a todos ainda na maternidade, cada um no seu respectivo berçário ou incubadora, lançando desafios uns aos outros por entre uma birra e uma sessão de amamentação. De certa forma para eles já não havia nada fora do Jogo. A vida havia se tornado apenas aquilo que acontece entre dois combates. Qualquer ocasião, tarefa, local ou situação, não importa quão rotineira, banal ou inapropriada era um motivo para lançar desafios. Na verdade alguns neuropsicólogos haviam recentemente especulado que um grande número de pós-08 haviam se tornado mentalmente incapazes de executar uma tarefa do princípio ao fim, a não ser claro que esta fosse executada em situação de combate. Uma análise um pouco caricatural talvez, mas com um certo fundo de verdade. Este Tat12 estaria provavelmente a fazer compras e confrontando-se com a falta de motivação que os pós-08 inevitavelmente sentem ao realizar o que eles chamam de "tarefas civis", resolveu lançar um desafio.
"Ora bem", pensou Kamões, "se o puto quer combater não lhe vou fazer essa desfeita". Pressionou o botão central duas vezes, o que correspondia a aceitar o desafio, e deixou-se ficar, esperando a resposta aparecer no visor, observando o vaivém da multidão, interrogando-se qual daquelas figuras que percorriam afoitamente o piso luzidio do supermercado em padrões nada aleatórios (uma vez que estes haviam sido cuidadosamente elaborados por neuropsicólogosociais), seria o seu adversário.
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